Aspectos jurídicos da atividade dos agentes autônomos de investimento

As empresas que prestam serviços de assessoria de investimentos crescem notoriamente no Brasil, muito em decorrência da disseminação do conhecimento sobre os resultados que podem ser obtidos no mercado de capitais. Diz-se que está em curso um processo irreversível, intitulado de “desbancarização”. Ao conseguirem apresentar ao cidadão comum o mercado de capitais de maneira acessível, com diversos ativos financeiros não tão complexos, segue-se por aqui o mesmo caminho de diversas outras partes do mundo, com expressiva saída de investimentos da pouco rentável poupança (renda fixa), migrando-os para esse sistema descentralizado de alocação de recursos.

Mesmo assim, ainda que o número de brasileiros que investem na Bolsa de Valores venha aumentando significativamente ano após ano, a poupança ainda é o destino das economias de 88% dos investidores, conforme a 2ª edição do levantamento “Raio X do investidor brasileiro”, realizado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais – ANBIMA. A título de comparação, mais da metade dos americanos investe no mercado de ações. Em razão de sua imensa gama de alternativas, permitindo que cada investidor possa montar uma carteira diversificada, adequada ao seu perfil, com mais ou menos riscos, sabe-se que esse mercado de trilhões de reais viverá consideráveis mudanças nos próximos anos, em continuidade a esse movimento que, embora já significativo, está apenas começando.

Daí porque a compreensão dos aspectos jurídicos e legais relacionados à estruturação de empresas de assessoria de investimentos está sendo cada vez mais demandada, exigindo não apenas a bastante difundida expertise do direito societário, mas também um profundo conhecimento das inúmeras normas que regulam o sistema financeiro, notadamente as aplicáveis ao mercado de capitais. A Comissão de Valores Mobiliários – CVM é o principal órgão responsável pelo seu controle, normatização e fiscalização, editando as instruções que regulam as atividades dos assessores de investimentos (agentes autônomos de investimento), os quais atuam na cadeia de intermediação de títulos e valores mobiliários entre emissores e investidores. 

Sem prejuízo da necessidade de observância a diversas outras regras aplicáveis às atividades desenvolvidas no mercado de capitais, os agentes autônomos de investimentos têm como principal norte de sua atuação as disciplinas constantes na Instrução CVM nº 497 (ICVM nº 497/2011). Referida ICVM revogou as disposições contidas na ICVM nº 434/2006 e, posteriormente, sofreu alterações introduzidas pela ICVM nº 515/2011, pela ICVM nº 593/2017 e pela ICVM nº 610/2019.

Logo de início, fica estabelecido que o agente autônomo de investimentos sempre atuará como preposto de uma única instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, devendo apresentar-se de tal forma aos clientes (preposto), sem o uso de expressões que possam dificultar esse entendimento. O objetivo da previsão é que haja transparência ao investidor sobre o papel do assessor de investimento, vinculado ao intermediário contratante.

A norma estabelece que haverá exclusividade do agente autônomo com a instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, mas no que diz respeito às atividades que envolvam intermediação e negociação de valores mobiliários. Ou seja, essa exclusividade não se aplica para a atividade de distribuição de cotas de fundos de investimento.

A Instrução CVM nº 497 especifica que caberá ao agente autônomo de investimentos (i) a prospecção e captação de clientes; (ii) a recepção e registro de ordens e transmissão dessas ordens para os sistemas de negociação ou de registro; e (iii) a prestação de informações aos clientes sobre produtos e serviços da corretora com a qual mantenha contrato. Referidas atividades são privativas dos agentes autônomos, daí porque não é permitido que eles deleguem para terceiros, por exemplo, a captação de clientes.

Outra questão relevante é que os assessores de investimentos deverão atuar através de pessoa jurídica cujo objeto social seja o exercício exclusivo da atividade de agente autônomo de investimentos, não comportando atividades secundárias. Ela deverá ser formada exclusivamente por agentes autônomos de investimentos – pessoa natural, aprovados em exame de qualificação e devidamente certificados pela Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias – ANCORD. Aliás, não só os agentes autônomos enquanto pessoa natural, mas também as pessoas jurídicas de agente autônomo de investimentos necessitam de prévio registro antes de exercerem suas atividades.

Dada a natureza dos serviços desempenhados pelos assessores de investimentos, prestados pessoalmente pelo(s) sócio(s), a pessoa jurídica não pode ser uma sociedade empresária (com atos constitutivos levados à registro em Junta Comercial), mas sim ser constituída na forma de sociedade simples, averbada em Cartório de Registro das Pessoa Jurídica. A única exceção aceitável se dá no caso do “empresário individual”, em razão de uma lacuna na legislação cível, sem que isso descaracterize o fato de tratar-se de uma atividade não empresária.

As sociedades simples, além de não poderem ter outras pessoas jurídicas compondo seu quadro societário (somente agentes autônomos de investimento – pessoa natural podem ser sócios), não poderão participar como sócia em nenhuma outra sociedade. O propósito de tal previsão é evitar situações de conflito de interesses, constante preocupação para proteção do mercado de capitais.

Deve-se registrar ainda que a legislação não veda que os agentes autônomos de investimentos – pessoa natural sejam sócios de outras sociedades que tenham por objeto, por exemplo, a corretagem de seguro, ou o propósito da educação sobre o mercado de valores mobiliários. Entretanto, é indispensável que as sociedades atuem de forma segregada, evitando o desvio de finalidade e sem desrespeitar o zelo pelo sigilo de informações confidenciais.

Na hipótese de optar-se pela utilização de nome fantasia, ainda assim não será possível suprimir a informação de que se trata de “agente autônomo de investimentos”, excluindo a hipótese de utilização de expressões que possam dificultar a compreensão do investidor quanto ao objeto da sociedade.

A instrução normativa também estabelece diversas regras aplicáveis ao exercício das atividades, as quais servem de fundamento ao código de conduta editado pela Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias – ANCORD e aos códigos de procedimentos e diretrizes elaborados pelas instituições integrantes do sistema de distribuição. Além de um rol extenso de previsões principiológicas, como a exigência de atuar com probidade, boa fé e ética profissional, há diversas normas que impactam diretamente no dia a dia operacional, como a exigência de se manter o registro das ordens emanadas dos clientes pelo período de cinco anos.

Não se pode deixar de referir que é absolutamente vedado ao agente autônomo de investimentos prestar quaisquer serviços de administração de carteira de valores mobiliários, de consultoria, ou de análise de valores mobiliários. Tais serviços são, inclusive, incompatíveis com a atividade do assessor de investimentos, não sendo sequer permitido que uma mesma pessoa possua registro como agente autônomo de investimentos e como administrador, consultor, ou analista de valores mobiliários. Ou seja, o papel do agente autônomo de investimentos é assessorar os clientes, atuando com lealdade, ajudando-os a entender a conjuntura macroeconômica e a compreender o que analistas referem sobre papéis e emissores. Os assessores não podem, jamais, tomar decisões pelos clientes. E não podem, jamais, elaborar relatórios sobre valores mobiliários específicos ou emissores. Esse é, quiçá, um dos principais pontos de atenção da atividade dos assessores de investimentos: toda e qualquer tomada de decisão sobre investimentos, e sua indispensável ordem, deve sempre partir do cliente. Nesse sentido, é absolutamente vedado que o profissional utilize senhas dos clientes para transmissão de ordens por meio do sistema eletrônico.

Com o significativo aumento do número de agentes autônomos de investimentos registrados e em atuação, os quais têm um papel importantíssimo no mercado financeiro, a observância dos aspectos legais aplicáveis à atividade tomam enorme relevância. E, neste cenário, as assessorias jurídicas que comungam know-how do direito societário e do mercado de capitais assumem um papel cada vez mais estratégico, assessorando sociedades e agentes no cumprimento de diversas regras, para que eles possam focar seus esforços no que realmente importa: ajudar os brasileiros e investirem melhor.